Manuel Ramos e Guilherme Soares, do 9.º ano, vencem com trabalho sobre primeira edição de Os Lusíadas.
Um achado inesperado numa cidade cheia de História, pretexto para uma visita à biblioteca da Sociedade Martins Sarmento.
Reportagem de Manuel Ramos e Guilherme Soares, Agrupamento de Escolas Santos Simões, Guimarães
A propósito dos 500 anos de nascimento de Camões, propusemo-nos descobrir um exemplar único da primeira edição de Os Lusíadas, datado de 1572, existente na Sociedade Martins Sarmento, em Guimarães. Fomos recebidos por Salomé Duarte, uma das bibliotecárias desta instituição de renome na cidade.
Ao entrar na biblioteca da sede da Sociedade Martins Sarmento, de imediato sentimos o cheiro a livro antigo que emana das estantes de madeira, e que, aliado à tranquilidade do espaço, contribui para incentivar à descoberta de um dos tesouros que Guimarães guarda nestas estantes.
Começamos por perguntar a Salomé Duarte como é que este exemplar de Os Lusíadas veio parar às mãos da instituição. Até aos dias de hoje, sabe-se que o livro pertenceu aos irmãos Cardoso, figuras ilustres da cidade no século XIX.
Em 1886, a Sociedade adquiriu as bibliotecas dos dois irmãos, em leilão, sem saber da existência deste livro. Foi apenas quando se fez o inventário dos livros obtidos na compra que este tesouro veio a ser descoberto. Não se sabe como foi parar às mãos dos irmãos Cardoso; no entanto, desde que chegou à Sociedade, nunca mais de cá saiu. É “só” um dos raros 50 exemplares da primeira edição ainda espalhados pelo país e até pelo mundo.
Segundo Salomé Duarte, “ter um exemplar desta natureza é um privilégio, pois causa impacto e encanta os visitantes”.
Para comprovar o interesse público desta obra, constatamos que o livro se encontra digitalizado no site da Sociedade Martins Sarmento (https://msarmento.org/) e que existe também uma edição em fac-simile, isto é, exatamente igual ao original. No entanto, o original encontra-se resguardado num cofre bancário, sendo exposto apenas em situações especiais, como por exemplo no passado dia 10 de junho de 2024, a propósito das celebrações do nascimento do Poeta.
Outras ocasiões incluem a visita de investigadores de todo o mundo que vêm de propósito a Guimarães para observar a obra na sua versão original. A bibliotecária Salomé Duarte confirma que manusear o livro causa “respeito e fascínio” — por isso, sempre que a obra é exposta ao público, há muita afluência de visitantes.
A Sociedade preza muito este exemplar, não só pelo seu bom estado como também pelo valor cultural e afetivo, sendo um genuíno exemplar de património nacional.
Para muitos investigadores, nacionais e estrangeiros, estudar a primeira edição de Os Lusíadas assemelha-se a um conto de detetives ou a uma história de piratas, devido ao mistério e aura que esta edição encerra.
Uma das curiosidades contadas pela bibliotecária sobre esta primeira edição é que o frontispício (a primeira página da obra) tem a figura de um pelicano com o bico voltado para a esquerda (do leitor), enquanto outros exemplares, de outra suposta primeira edição, apresentam a ave com o bico voltado para o sentido contrário. Isto levou a que muitos estudiosos se dedicassem a investigar esta diferença, o que lhes permitiu comprovar que o exemplar da Sociedade Martins Sarmento era, de facto, da edição original.
Outra curiosidade associada a esta raridade é que foi manuscrita entre dezembro de 2017 e maio de 2018, pelos vimaranenses e todos os outros que quiseram associar-se à proposta do grupo “Voltar à Escola”, uma associação de professores aposentados. Esta iniciativa consistia em que cada pessoa que visitasse a Sociedade, e outras instituições da cidade, copiasse uma estrofe da obra, na sua melhor caligrafia.
As últimas estrofes foram manuscritas pelo Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a seu pedido, o que revela ainda mais o interesse público da iniciativa.
Afinal, porque é que esta obra suscita tanto interesse e é de leitura obrigatória nas escolas?
Salomé Duarte confirma que o estudo deste livro contribui para o conhecimento da História de Portugal e também serve para se perceber melhor o pensamento da época de Camões e o seu génio literário. Realça, assim, como a existência deste exemplar de Os Lusíadas prestigia a Sociedade e Guimarães. Ficamos, portanto, com a noção de que, apesar do tempo que passa, as ideias e o impacto desta obra permanecerão na História.
[O concurso Jornalistas em Rede, iniciativa do PÚBLICO na Escola e da Rede de Bibliotecas Escolares, destina-se a estudantes do 3.º ciclo do ensino básico. Num primeiro momento ocupa-se da reportagem, depois da entrevista (os trabalhos neste género jornalístico podem ser entregues até ao dia 6 de maio de 2025). O júri que aprecia os trabalhos é constituído por: Bárbara Simões, jornalista e coordenadora do PÚBLICO na Escola; e Carla Fernandes e Raquel Ramos, professoras, em representação da RBE. Na primeira etapa desta edição, relativa à reportagem, foi notório um “aumento substancial” da qualidade geral dos trabalhos submetidos, destaca Carla Fernandes.]