A expressão “dar voz aos alunos” é cada vez mais utilizada. O que significa isto para ti?
Eu odeio salsichas. Este clássico entre as carnes processadas repugna-me enigmaticamente. Bacon, linguiça, salame e mortadela sempre me pareceram inofensivos, mas aqueles pedacinhos de carne em particular aterrorizam-me, o que me fez refletir.
Ao longo da minha (ainda curta) vida, desenvolvi a teoria de que um vínculo afetivo estável com a família pode ser estruturado através da criação de pequenos hábitos de cariz emocional. Trocando isto por miúdos e falando por experiência própria, foi importante para mim ter uma rotina consistente ao longo da infância, e calma que a aversão a salsichas ainda será protagonista nesta história!
Não é necessário que me esforce muito para me recordar que, todos os dias, ao fim da tarde, o meu pai me ia buscar à escola primária no nosso carro antigo e, depois de um beijinho e um abraço saudoso, fazíamo-nos à estrada de volta a casa. É de salientar, novamente, a velhice do veículo, pois o rádio ainda só suportava cassetes. Entre todas, a nossa favorita era a que tocava a canção “Another Brick in the Wall”, dos Pink Floyd, e mesmo sem perceber uma palavra da letra, cantava-a alegremente. Tornou-se a minha música favorita, porque, para além do ritmo contagiante, carregava com ela grandes memórias…
Quando era finalmente crescida o suficiente para perceber o verdadeiro significado que a canção acarretava, o meu pai fez questão de me explicar que a obra se referia a um sistema educativo precário, completamente autoritário e violento, onde a voz dos estudantes é abafada até ao último suspiro. Nesse mesmo dia, apresentou-me ao videoclipe. Até hoje, lembro-me de cada pormenor da curta-metragem. Brilhantes mentes de criança, criativas e joviais eram oprimidas incessantemente por professores austeros. Professores que destruíam qualquer indício de imaginação e singularidade para as converter numa monotonia
praticamente robotizada. Foi então que vi algo que me marcou permanentemente: uma fila de meninos era conduzida a uma máquina que os processava em inúmeras salsichas, imóveis, silenciosos, enfadonhos e nojentos alimentos.
Senti-me um daqueles pirralhos, invadiu-me uma sensação de revolta. Como haveríamos nós, frágeis serzinhos, de resistir às garras de tão cruéis homens?
Aprendi o significado da minha voz enquanto aluna, aprendi a protestar, aprendi a reclamar o que é meu por direito, a ter a minha opinião. Sou grata por me fazer ouvir, e ainda mais grata sou por saber que não foi sempre que se deu valor ao que os mais novos tinham a dizer.
Aos meus professores, que me presenteiam diariamente com a sua sabedoria, sem nunca desconsiderar os meus pontos de vista, o meu mais genuíno obrigada! É com o vosso auxílio que serei tudo o que quiser, jamais uma miserável salsicha.
Maria João Machado Silva Atilano, 11.º B, n.º 9
Escola Básica e Secundária de S. Bento, Vizela