Projetos > Ser escritor é cool > Edição 2022-2023 > Desafio 1

Trabalho vencedor - Ensino Secundário

A expressão “dar voz aos alunos” é cada vez mais utilizada. O que significa isto para ti? 
 
Eu  odeio  salsichas.  Este  clássico  entre  as  carnes  processadas  repugna-me enigmaticamente. Bacon, linguiça, salame e mortadela sempre me pareceram inofensivos, mas aqueles pedacinhos de carne em particular aterrorizam-me, o que me fez refletir. 

Ao longo da minha (ainda curta) vida, desenvolvi a teoria de que um vínculo afetivo estável com a família pode ser estruturado através da criação de pequenos hábitos de cariz emocional. Trocando isto por miúdos e falando por experiência própria, foi importante para mim ter uma rotina consistente ao longo da infância, e calma que a aversão a salsichas ainda será protagonista nesta história!

Não é necessário que me esforce muito para me recordar que, todos os dias, ao fim da tarde, o meu pai me ia buscar à escola primária no nosso carro antigo e, depois de um beijinho e um abraço saudoso, fazíamo-nos à estrada de volta a casa. É de salientar, novamente, a velhice do veículo, pois o rádio ainda só suportava cassetes. Entre todas, a nossa favorita era a que tocava a canção “Another Brick in the Wall”, dos Pink Floyd, e mesmo sem perceber uma palavra da letra, cantava-a alegremente. Tornou-se a minha música favorita, porque, para além do ritmo contagiante, carregava com ela grandes memórias…

Quando era finalmente crescida o suficiente para perceber o verdadeiro significado que a canção acarretava, o meu pai fez questão de me explicar que a obra se referia a um sistema educativo  precário,  completamente  autoritário  e  violento,  onde  a  voz  dos  estudantes  é abafada até ao último suspiro. Nesse mesmo dia, apresentou-me ao videoclipe. Até hoje, lembro-me de cada pormenor da curta-metragem. Brilhantes mentes de criança, criativas e joviais  eram  oprimidas incessantemente  por  professores  austeros.  Professores  que destruíam qualquer indício de imaginação e singularidade para as converter numa monotonia 
praticamente robotizada. Foi então que vi algo que me marcou permanentemente: uma fila de  meninos  era  conduzida  a  uma  máquina  que  os  processava  em inúmeras  salsichas, imóveis, silenciosos, enfadonhos e nojentos alimentos.

Senti-me  um  daqueles  pirralhos,  invadiu-me  uma  sensação  de  revolta.  Como haveríamos nós, frágeis serzinhos, de resistir às garras de tão cruéis homens?  
Aprendi  o  significado  da  minha  voz  enquanto  aluna,  aprendi  a  protestar,  aprendi  a reclamar o que é meu por direito, a ter a minha opinião. Sou grata por me fazer ouvir, e ainda mais grata sou por saber que não foi sempre que se deu valor ao que os mais novos tinham a dizer.

Aos meus professores, que me presenteiam diariamente com a sua sabedoria, sem nunca desconsiderar os meus pontos de vista, o meu mais genuíno obrigada! É com o vosso auxílio que serei tudo o que quiser, jamais uma miserável salsicha.


Maria João Machado Silva Atilano, 11.º B, n.º 9 
Escola Básica e Secundária de S. Bento, Vizela

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