Autor da entrevista frequenta o 9.º ano no Agrupamento de Escolas Pintor José de Brito, em Santa Marta de Portuzelo. Concurso é uma iniciativa do PÚBLICO na Escola e da Rede de Bibliotecas Escolares.
Licenciado em Cardiopneumologia pelo Instituto Politécnico do Porto, Diogo Parente, de 27 anos, tem-se desdobrado entre o trabalho na área da saúde e o amor pelas tradições e raízes vianenses. É membro responsável e integrante do Grupo Folclórico das Bordadeiras da Casa do Povo de Cardielos e é elemento constituinte da Comissão de Festas de Nossa Senhora do Amparo de 2023. De sorriso fácil, abriu as portas de sua casa, em Cardielos, para falar da sua grande paixão, o desenho. Estar com ele e com o desenho é estar em boa companhia.
Entrevista de Simão Barbosa Agrupamento de Escolas Pintor José de Brito, em Santa Marta de PortuzeloQuando descobriste a paixão pelo desenho?
Posso dizer que não foi bem uma descoberta. Nunca aconteceu um dia pensar “o que eu gosto de fazer é de desenhar”. O gosto pelo desenho já nasceu comigo e foi crescendo cada vez mais à medida que o ia alimentando, à medida que ia fazendo novos desenhos. O desenho é o meu escape, o refúgio do mundo real. Quando estou a desenhar, só existo eu e o desenho e sinto que, sempre que faço um novo trabalho, a paixão aumenta.
Tens afetos por alguns desenhos.
Sim. Isso tenho, por alguns. E quais são esses desenhos? Os desenhos que representam raízes e tradições. Adoro desenhar a mulher de cântaro à cabeça, os tocadores de concertina e os trajes típicos de Viana do Castelo, onde enalteço os bordados que os compõem utilizando sombreados, traços diferentes ou até cores. Tenho um especial prazer em desenhar algo relacionado com a minha cidade de berço. Viana tem tradições que, desenhadas, dão imagens fantásticas capazes de transmitir sentimentos incríveis a quem as vê. Viana permite-nos associar o real, que já é bonito, ao imaginário.
Dizias-me há pouco que os teus desenhos têm sentimentos.
Todos os meus desenhos têm sentimentos. Sentimentos que não consigo, por vezes, exprimir em palavras ou em música ou noutra forma de arte. Como se costuma dizer “uma imagem vale mais que mil palavras”. Quando desenho, por exemplo, um retrato de uma mordoma vianense, não há mais a dizer a não ser a sua beleza, que tento transmitir, e o amor que sinto pelas minhas tradições, como já o confessei. Mas, se eu desenhar essa mesma mordoma, dentro de casa, à janela, ansiando pelo fim da pandemia, com a saudade dos desfiles das Festas d’Agonia, aí já há um sentimento evidente de tristeza que eu próprio senti no ano de 2020, quando as festas foram “suspensas” ou vividas de uma outra forma devido à Covid-19.
Para além de sentimentos, os teus desenhos transmitem mensagens.
Sim. Umas vezes é consciente, outras não. Por detrás dos meus desenhos há sempre mensagens que, posso dizer, serem mais sérias, capazes de despertar ideias nas pessoas que os veem ou alertá-las para assuntos importantes da sociedade, tais como o respeito pela velhice, a importância da religião ou a igualdade de género. Esta tua questão foi ao encontro de um projeto de solidariedade…
Conta-me mais acerca desse projeto de solidariedade.
Em setembro de 2021, através das redes sociais e por intermédio do senhor Gustavo Corona, tomei conhecimento de um casal, Fazal Subham e Ana Charlin, que tinha um projeto que “matava” a fome a pessoas do Afeganistão, principalmente a crianças. Dias antes eu tinha acabado um trabalho relacionado com a perda dos direitos das mulheres afegãs em que, para além de transmitir a minha solidariedade para com elas, também tentava refletir na sorte que possuíamos por termos direitos, liberdade de expressão e de opinião. Tive a certeza que era a altura ideal de leiloar esse trabalho. Todo o dinheiro angariado, do leilão e dos donativos independentes de pessoas que quiseram ajudar e dar voz à causa, foi entregue ao Fazal e à Ana, que, por sua vez, o transformaram em alimentos, de forma a mitigar o terrível sofrimento daquelas pessoas, daquelas crianças afegãs. Porém, o que eu fiz foi uma gota no oceano daquilo que se pode fazer pelo bem da humanidade e do nosso planeta.
É pela solidariedade, também, que fazes o teu desenho?
Óbvio que sim. Todos os artistas carregam dentro de si a necessidade de doar. Já fiz, ao longo dos tempos, muitas ações de solidariedade de que poucas ou nenhumas pessoas tomaram conhecimento. O princípio de a mão esquerda esconder o que a mão direita dá é um princípio de que gosto muito e com o qual me identifico. Ainda se está longe de salvar o mundo e é praticamente impossível fazê-lo sozinho. Mas eu posso ajudar alguém e, se todos fizermos isso, estaremos mais perto do bem-estar geral. A pressa do dia-a-dia faz-me adiar algumas ações de solidariedade e voluntariado, algo que espero melhorar no futuro.
E o que mais esperas fazer no futuro?
Ainda espero fazer muita coisa. Ainda quero viver muito. No desenho, quero ter formação especializada, pois tudo o que sei e faço, excetuando as aulas de Educação Visual que todos nós temos na escola, aprendi sozinho, com a experiência, com as falhas, com os erros que fui cometendo. Costumo dizer que sou um autodidata do desenho. Solidariedade é arte – foto cedida por Diogo Parente Outro desejo é o de um dia expor, partilhar com os outros os meus trabalhos. Não só os que já estão expostos nas minhas redes sociais como aqueles que nunca ninguém viu, para além dos que me são mais próximos. Estes trabalhos não são para estar guardados. A arte, a minha arte, é para partilhar e fazer sentir, porque, se for para arrumar numa gaveta, todo o processo de desenhar perde o sentido. A arte é para o outro. E quando um dia a exposição dos meus trabalhos se tornar realidade, esta não será mais uma exposição, mas a minha singular exposição, rompendo com o “normal” porque o “normal” é-me enfadonho e não me caracteriza. Será, certamente, algo diferente e imersivo com o objetivo de levar o público a mergulhar um pouco nos meus desenhos e no meu pensamento.