É noite.
Deito-me.
Penso naquilo que fui, naquilo que fiz,
mas sinto-me vazia.
Faço scroll nas redes sociais.
Vidas perfeitas,
corpos perfeitos, famílias perfeitas.
Marionetas num palco de perfeição ensaiada. Mas, e eu?
Adormeço a pensar naquilo que já deveria ter feito e não fiz,
naquilo que são os padrões impostos pela sociedade,
mas que em nada cumpri.
Ainda não sei aquilo que serei,
mas penso:
Serei médica? Professora? Engenheira?
O que serei? Não sei!
Qualquer coisa.
Nada me cativa, mas tenho que me apressar,
pois o tempo passa rápido, sem avisar.
“Sou um falhanço, não sou suficiente!” Faz-se dia,
Acordo com o despertador aos berros,
mas tudo o que queria eram mais cinco minutos, única e exclusivamente para descansar!
Não fisicamente, mas psicologicamente. Desligar os pensamentos,
ser positiva.
Ser como as pessoas “normais”.
Desconheço-me! Estou perdida!
Ficarei aqui.
No calor, no conforto do meu lar,
que já nem é meu,
porque descobri o meu lar nos braços do amor. Não quero sair.
Não quero voar nem brilhar como o sol, mas tenho de o fazer!
(Porquê?)
Porque, tal como a lua, tal como as árvores,
tal como tudo o que é Natureza, tudo é cíclico,
e o meu também tem de se cumprir.
Queria voltar a ser feliz, aos tempos da infância que passavam sem aviso,
que foram um pequeno livro cheio de histórias de encantar.
Quero voltar:
à lareira na casa dos avós,
ao sabor do arroz feito com carinho,
ao doce presente que o avô nunca esquecia,
à boneca que tanto pedi à tia,
ao colo do pai e ao abraço da mãe,
ao contar as moedas com a madrinha,
ao sujar-me de óleo dos motores com o padrinho.
Ao tempo em que tudo era assim: perfeito.
Irá ficar na memória tudo aquilo que fui. Eram os cheiros, os sabores e o amor,
era tudo, menos a dor.