José Lacerda respondeu às perguntas das alunas da Escola Secundária Camilo Castelo Branco, em Vila Real. Entrevista premiada no concurso “Jornalistas em Rede”, promovido pelo PÚBLICO na Escola e a Rede de Bibliotecas Escolares.
José Agostinho Fernandes Lacerda é uma figura do Douro. Nasceu no Lugar da Estrada, Poiares, Régua, e estudou em Vila Real, na nossa escola [Escola Secundária Camilo Castelo Branco, Vila Real]. Administrador e acionista da Lavradores de Feitoria, a sua atividade está atualmente associada à produção de vinhos de mesa, à enologia e à administração das quintas que fazem parte do património familiar.
Entrevista de Marta Gonçalves e Rita Abreu, 11.º ano
Escola Secundária Camilo Castelo Branco, Vila Real
Como começou a sua relação com a vinha e o vinho?
Bom, com a vossa idade, ainda não tinha nenhum tipo de relação com o vinho. A vida na quinta da Estrada era intercalada com a vida escolar em Vila Real, os pais optaram por alugar lá casa e deixar-nos ao cuidado da tia Piá. A quinta era o espaço da brincadeira, da família, que era numerosa, e nas férias muitos primos ficavam lá. Era uma diversão sem limites. O campo é garantia de brincadeira e até os trabalhos serviam para nos divertirmos, mas é isso que cria raízes, as memórias que temos são determinantes nas escolhas que fazemos. Fiz a primária e fui para a Camilo, mas depois as minhas irmãs foram para a Faculdade, no Porto, e eu fui para o Liceu D. Manuel II, que é o atual Rodrigues de Freitas.
Nada faria prever que voltasse para o Douro…
Curiosamente, eu sempre adorei o Porto, pelos amigos, pela família numerosa que, sendo do Douro, vivia lá. No entanto estar com o meu pai, ajudá-lo, viajar com ele para as feiras agrícolas, para França ou Espanha e aqui em Portugal, era extraordinário. E depois, as vindimas eram uma festa, era o culminar de um ano de trabalho que daria a possibilidade de continuar com a mesma determinação.
Na verdade, era uma festa para todos, pois os trabalhadores eram recompensados, e havia alegria, visitas da família e dos amigos. Todos se empenhavam nas vindimas e eu, o que aprendi, devo-o ao meu pai, que era um homem empreendedor e cheio de visão. Era fácil trabalhar com o pai, porque pedia sempre a minha colaboração, ensinava, eu ouvia, via e fazia. Mesmo que não fosse igual, os seus conselhos permitiam chegar ao que se pretendia. Foi fácil aprender e foi ainda mais fácil ficar apaixonado pela terra. A vivência na Quinta fez com que este espaço fosse mais importante do que o Porto. Penso que nós somos as memórias que vivemos e estas suplantaram os sonhos que tive de me dedicar à gestão numa cidade grande. De alguma forma, também tenho de gerir as propriedades agrícolas.
Houve mudanças?
Sim. O mercado não se compadece. De imediato comecei a fazer formação na área da vitivinicultura, porque é conhecendo o que se faz e como se faz que podemos inovar. Estudar, ler, viajar, visitar adegas, fazer parcerias e envolver-me em projetos como estar no início da Lavradores de Feitoria foi muito importante e enriquecedor. E nunca parei de estudar, conversar, ler, ver…só assim nos podemos manter a par do que existe.
O que produzo é bom, mas tenho de ter a humildade de reconhecer que outros produtos são igualmente bons ou melhores. Então, não posso parar de saber o que há e experimentar, aqui e no estrangeiro.
Tradição conjuga-se com inovação. Na sua opinião, quais foram as inovações mais significativas introduzidas por si na produção vinícola?
A grande inovação foi a produção de castas por talhões.
Que tipo de casta predomina na Quinta da Estrada? Há uma razão específica para essa escolha?
O tipo de casta predominante é a Touriga Franca, pois é a casta que domina na Região Demarcada do Douro. Segue-se a Tinta Roriz, a Tinta Amarela e, por fim o Tinto Cão e a Tinta Francisca sendo estas últimas usadas para apimentar os lotes.
Não produzo vinhos monocasta, porque é muito difícil assegurar ano após ano uma boa qualidade. Além disso, a tradição no Douro é de vinhos de blend, ou seja, vinhos de lote.
Então não produz só vinho do Porto?
Nós estávamos muito ligados ao vinho do Porto, vinho generoso de qualidade, mas depois da morte do pai e as complicações do mercado, enveredei pela produção própria de vinhos DOC, menos exploradas na década de 90. Criei a marca Tia Piá, em homenagem à nossa tia que sempre nos acompanhou com todo o carinho e a marca Quinta da Estrada pelo facto da casa de família estar nessa quinta.
Em relação à produção vinícola da quinta, qual é o vinho que mais se produz e que características apresenta?
O vinho que mais se produz é o Reserva Tinto. Trata-se de um vinho de cor granada, com aromas complexos, muita estrutura e potencial e final de boca muito longo.
E quanto ao mercado de exportação, quais são os países para onde exporta?
Em matéria de exportação, a Suíça tem sido um bom mercado, mas também vamos conseguindo exportar para o Brasil.
Qual dos seus vinhos apelidaria de bestseller?
O melhor vinho é o que bebemos com os nossos amigos… pode ser Douro, Alentejo ou Bordéus….
Projetos para o futuro?
É curioso… já estive ligado à exportação, mas agora só me interessa investir no mercado nacional. Vou continuar com estas duas marcas (tinto e branco): Tia Piá, em homenagem à tia que sempre nos acompanhou enquanto estudámos em Vila Real e no Porto, pois o pai administrava as quintas, e o Quinta da Estrada como marca da quinta onde está a casa desde 1820. Estou a pensar criar, aqui na quinta, um espaço de provas e visitas, mas com um conceito diferente, mais ligado à formação do que ao lazer…, mas é um projeto.