No contexto da participação da Rede de Bibliotecas Escolares no Folio 2021, subordinado ao tema o Outro, publica-se uma série de artigos que serviram de base a encontros e workshops.

O Outro? O Nós! é uma história em seis partes, das quais hoje se publicam a segunda e a terceira - a sexta parte, a melhor, está por contar e nela todos somos protagonistas.

O Outro, enquanto plural e sujeito de direitos, voz e representação no espaço público, é recente e frágil. Exige proteção e abertura acrescida para que dê lugar ao Nós, expressão da efetivação das liberdades fundamentais de todos os seres humanos em comunhão com o Planeta.

Parte 2

“empregar toda a vida a cultivar a minha razão, e a avançar, tanto quanto me fosse possível, no conhecimento da verdade, seguindo o método que para mim estabelecera.”

“tornarmo-nos senhores e possuidores da natureza.”[1]

Até à Modernidade (Platão, Descartes…) o Ocidente pensou a razão - e a tecnologia, sua aplicação - como meio conducente à verdade e a um mundo melhor.

De acordo com esta visão instrumental da ciência e tecnologia, o sujeito permanece separado do objeto - é neutro - e o conhecimento é abstrato (representação) - não sendo pensado a partir da/ para a realidade - e especializado/ académico, constituindo meio de poder e dominação da natureza e outros homens. O mundo é uma construção/ reflexo do sujeito que é norma/ padrão (valor universal) e a ciência tem um papel normalizador da sociedade.

Esta visão justifica:

- Grandes progressos científicos e tecnológicos;

- Extração e consumo ilimitado de recursos da Terra, capitalismo e crise ambiental (climática/ extinção de espécies);

- Catástrofes (Hiroxima), extermínios (Holocausto), escravidão e colonialismo, anulação e invisibilidade do outro/ diferente;

- Fascismo/ totalitarismo/ extrema-direita alimentado pela criação do medo e desordem, através da desinformação e propaganda, discurso do ódio, polarização, negacionismo.

Parte 3

Pelos efeitos que traz de desumanização e indiferença, questiona-se, desde I. Kant, mas sobretudo a partir da segunda metade do século XX, a hipervalorização deste modelo centrado no eu/ razão/ ver e procura compreender-se e experienciar-se a vida com base na escuta e diálogo com o Outro.

“É porque a subjetividade é sensibilidade (…) que o sujeito é de carne e osso, homem que tem fome e que come, entranhas numa pele e, portanto, suscetível de dar o pão da sua boca ou da sua pele.”

Levinas, E. (2011). De outro modo que ser ou para lá da essência. Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa, p. 95.

sensibilidade (afetiva e sentimental, estética…) - não apenas a razão - é condição de existência no mundo - e a ética é a base da relação de responsabilidade/ dever com o outro (Levinas): sou responsável por mim e todos os outros, que devem ser tidos em conta na minha compreensão do mundo e decisões. A vida é o que cada um constrói na relação com seus semelhantes e outros seres vivos, que deve ser de acolhimento, hospitalidade e respeito pela individualidade/ diferença de cada um, aquilo que nos une a todos.

O reconhecimento do Outro, na sua diferença e dignidade (valor inestimável, sem preço), ocorre com a instituição dos direitos humanos ao longo da História. A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 que inspirou a Revolução Francesa é um primeiro grande marco, mas a Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada após a experiência da II Guerra Mundial (ONU, 10 de dezembro de 1948) e as convenções e tratados humanos subsequentes são fundamentais na defesa da luta contra arbitrariedades do poder e garantia das liberdades individuais fundamentais/ mínimas no horizonte ideal e universal da família humana.

Em 2015 a Declaração adquire novo alcance com o compromisso global dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável que conferem aos direitos humanos uma visão holística/ multidimensional/ sistémica/ circular e integrada nas comunidades, convocando diferentes contextos e atores - “mais de 90%” das metas dos ODS estão incorporados em tratados de direitos humanos” 2. Localmente, é importante que todos participem através de processos bottom up para que os direitos sejam não apenas formais, mas vividos 

 


Referências
1. Descartes, R. (1986). Discurso do Método. [Partes III, VI]. Porto Editora, pp. 82, 119
2. Naciones Unidas en Ginebra - Misión Permanente de Dinamarca. (2017). Derechos Humanos y ODS Alcanzando Sinergias. https://www.universal-rights.org/wp-content/uploads/2017/12/ODS-DDHH_SP.pdf
 
Fonte da imagem
El Instituto Danés de Derechos Humanos. La Guía de los Derechos Humanos a los ODShttps://sdg.humanrights.dk/es
 
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