Movimentos, partidos políticos e governos discriminatórios, negacionistas e autoritários, inclusive eleitos democraticamente, manifestações e contramanifestações cívicas, feitas à margem das instituições democráticas, uso de redes sociais e algoritmos que propagam desinformação e manipulam indivíduos e nações, são uma realidade.

A necessidade de literacia da informação e media e de educação, tendo por referência a Declaração Universal dos Direitos Humanos 1 e demais tratados legais que a alargam e aprofundam (Convenção Europeia dos Direitos Humanos, Convenção sobre os Direitos Políticos das Mulheres, Convenção dos Direitos da Criança, Declaração dos Direitos do Deficiente Mental…) e a discussão de novos direitos e garantias (sustentabilidade do planeta, privacidade e esquecimento digital, água potável…) é fundamental.

Neste contexto, surge a recente publicação, feita por parte do Conselho Nacional de Educação, do seminário Os Direitos Humanos hoje: 70 anos da Declaração Universal 2, comemorativo dos aniversários 70.º da Declaração Universal e 40.º de adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, ocorrido em 2018.

Segundo Vital Moreira, comissário das comemorações desta efeméride universal e nacional, Portugal foi um dos países pioneiros a incorporar o conteúdo da Declaração Universal na sua Constituição da República Portuguesa de 1976, que marca a entrada do país na Ordem Internacional dos Direitos Humanos. Este orgulho deve tornar as populações portuguesas “conscientes daquilo que falta realizar, da ideia, mais uma vez, de que nada é irreversível e que os Direitos Humanos se conquistam todos os dias, que não podem ser dados por adquiridos e que estas celebrações devem ser o momento para nos propormos conquistar aquilo que ainda falta”, por exemplo, em matéria de desigualdades sociais e discriminação, assédio e violência sexual e doméstica (p. 29).

Segundo Fernando Rosas, o que é inovador e moderno na Declaração Universal é a especificação detalhada dos direitos individuais e políticos - contra a prisão arbitrária, tortura, exílio forçado e escravatura, direito à presunção de inocência e a julgamento justo e imparcial e direito à circulação – e o alargamento destes aos direitos económicos e sociais – trabalho com direitos, salário igual/ trabalho igual, remuneração equitativa e justa, liberdade sindical, direito à segurança social, à saúde e assistência, à dignidade do nível de vida - e aos direitos à educação e cultura, considerados agora direitos humanos universais (p. 35).

Uma das formas de desconstruir preconceitos e influenciar - “alterar o olhar” - para os direitos humanos é através da arte, tal como faz Filipa Reis, produtora do filme Balada de um Batráquio 3, ouvindo as populações vulneráveis e representando-as, “tentando sempre complexificá-los e nunca os simplificar”, de modo a transmitir a verdade da sua condição, circunstâncias e luta (p. 42).

Um dos problemas que limita o desenvolvimento individual e social e que preocupa as bibliotecas escolares é a desinformação. Num contexto em que a humanidade regista o maior progresso no alcance de níveis de escolaridade e educação em massa e avançada, inclusive a nível tecnológico e digital, o direito à informação e ao conhecimento surge, paradoxalmente, em risco, inclusive em sociedades democráticas desenvolvidas. Paulo Guinote (pp. 66 segs.) identifica causas desta ameaça, por exemplo:

- A sobreinformação e Grandes Dados (Big Data)/ “dataísmo”que tem a função de impedir o acesso aos factos e verdade, desempenhando o papel que a censura tinha nas ditaduras do passado 5. As redes sociais multiplicam e fragmentam exponencialmente este processo de comunicação, gerando passividade e indiferença perante a distinção entre verdade e falsidade, que passa a ser eufemisticamente identificada como pós-verdade e notícias falsas - tudo é relativo e efémero, triunfa a fluidez 6. O trabalho de processar informação e dados nesta escala passa a ser confiado a algoritmos, cuja capacidade eletrónica excede o cérebro humano. Aqueles que têm a capacidade de definir os algoritmos, têm o poder de manipular no espírito humano a representação da realidade e de controlar o mundo;

- A sociedade de informação caminha alinhada a uma sociedade de consumo 7, do espetáculo 8 e cultura do entretenimento/ infoentretenimento (Infotainment).

Identifica consequências: a criação de cidadãos ignorantes e permeáveis ao medo, terreno fértil para o crescimento de líderes autoritários próprios do populismo antidemocrático, anticientífico e que percebe na diferença e no contraditório uma ameaça.

Por conseguinte, Guinote incentiva todos, em particular os professores, a praticarem uma ação de resistência à infantilização de mentalidades, cultivando na escola as hard skills, de que fazem parte as Humanidades (História, Filosofia…) e que permitem interrogar e compreender o contexto e propósito desta tendência, bem como a Memória e o rigor na seleção crítica de fontes, factos, fundamentação de juízos e comunicação.

Nesta comemoração, o Conselho Nacional de Educação reconhece o papel das bibliotecas escolares, representadas pelo Agrupamento de Escolas Ferreira de Castro, Sintra (pp. 96 segs.), cujo “Projeto Educativo estabelece como missão a educação inclusiva, intercultural e plurilinguística de todos os alunos, formando cidadãos autónomos, interventivos e conscientes dos seus deveres e direitos, privilegiando a criatividade, a adaptabilidade e a ousadia” (p. 98). Todas as atividades pressupõem os direitos humanos, apostando na “Equidade para permitir que todos tenham as mesmas oportunidades, dando a cada um o que necessita, tratando as diferenças de forma diferente para que consigam ser iguais” (p. 100).

Nas bibliotecas escolares os direitos humanos são abordados ao nível do currículo, de trabalhos interdisciplinares e na vida do dia-a-dia da escola, através do convívio e apoio a pessoas de diferentes origens, características e condições. Segundo o seu responsável, as bibliotecas escolares “têm um papel fulcral na organização de diversas atividades, em articulação com as diferentes disciplinas e turmas”, como por exemplo, atividades formativas sobre não violência, bullying, igualdade de género, Holocausto, desinformação, liberdade de imprensa, democracia e internet segura. As estratégias adotadas pelo Agrupamento e suas bibliotecas são muito diversificadas: debate de questões de direitos em Assembleia de Turma, alunos mais velhos orientam mais novos (apadrinhamento de alunos…), desenvolvimento de blogues e sítios na internet sobre direitos humanos e sustentabilidade do planeta, depoimentos de alunos feitos com base nas suas vivências e opiniões, debates, jogos, mostras de filmes solidários sobre diferentes temas com alunos de diferentes níveis de ensino, entre outras.

Das múltiplas formas e formatos em que se vivem e refletem os direitos humanos, a comunidade realiza o desígnio transcrito no n.º 2 do artigo 26.º da Declaração Universal: “A educação deve visar à plena expansão da personalidade humana e o reforço dos direitos do homem e das liberdades fundamentais e deve favorecer a compreensão, a tolerância e a amizade entre todas as nações e todos os grupos raciais ou religiosos, bem como o desenvolvimento das atividades das Nações Unidas para a manutenção da paz.”

 

Referências

1. Organização das Nações Unidas. (1948, 10 de dezembro). Declaração Universal dos Direitos Humanos. https://dre.pt/declaracao-universal-dos-direitos-humanos
2. Conselho Nacional de Educação. (2021, março). Os Direitos Humanos hoje: 70 anos da Declaração Universal https://www.cnedu.pt/pt/publicacoes/seminarios-e-coloquios/1644-os-direitos-humanos-hoje-70-anos-da-declaracao-universal
3. Teles, L. (Dir.); Reis, F. (Prod.). (2016). Balada de um Batráquiohttps://vimeo.com/ondemand/baladadeumbatraquio
4. Harari, N. (2020). Homo Deus - História Breve do Amanhã. Porto Editora.
5. Virilio, P. (2007). State of Deception. Verso.
6. Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida.
7. Baudrillard, J. (2008). Sociedade de Consumo. Edições 70.
8. Debord, G. (2021). Sociedade do Espetáculo. Antígona.
Fonte da imagem: https://www.cnedu.pt/content/Programa_DH_final.pdf
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