Os deveres evidenciam o humanismo perante o nosso semelhante e o planeta.  Cumpri-los depende da consciência de cada um sobre a realidade.
Esta aprofunda-se escutando, pensando, duvidando e perguntando. Perguntar significa abrir possibilidades, perspetivas.

Estas são algumas das perguntas que a obra de José Saramago suscita aos formandos da ação de formação da RBE, “Na era da responsabilidade e audácia, a necessidade de ler José Saramago com a biblioteca”.


"Gostar é provavelmente a melhor maneira de ter, ter deve ser a pior maneira de gostar".

O Conto da Ilha Desconhecida, 1998

Para quê a ânsia de ter, acumular, possuir, consumir?

N. Nunes

“... já que não podemos falar-lhes das vidas, por tantas serem, ao menos deixemos os nomes escritos, é essa a nossa obrigação, só para isso escrevemos, torná-los imortais, pois aí ficam, se de nós depende, Alcino, Brás, Cristóvão, Daniel, Egas, Firmino, Geraldo, Horácio, Isidro, Juvino, Luís, Marcolino, Nicanor, Onofre, Paulo, Quitério, Rufino, Sebastião, Tadeu, Ubaldo, Valério, Xavier, Zacarias, uma letra de cada um para ficarem todos representados...”

Memorial do Convento, 1982

Não é necessário repensar e recriar a História enquanto visão oficial e única dos acontecimentos?

A.    Monteiro

"A morte é sagrada, A vida é que é sagrada, senhor auxiliar de escrita, pelo menos assim se diz, Mas tem de haver um mínimo de decência, um mínimo de respeito por quem morreu, vêm aqui as pessoas recordar os parentes e amigos, a meditar ou a rezar, a pôr flores ou a chorar diante de um nome querido, e vai-se a ver, por culpa da malícia de um pastor de ovelhas, o nome autêntico de quem ali está é outro, os restos mortais venerados não são de quem se supõe, a morte, assim, é uma farsa".

Todos os nomes, 1997

Quem somos nós? O que nos define? Como o outro nos vê? Somos apenas um nome?

A.    Lopes

“Quando me dás a mão, quando te encostas a mim, quando me apertas, não preciso ver-te por dentro [diz Blimunda a Baltazar].”

Memorial do Convento, 1982

Desta forma simples, despojada e poética, não terá Saramago contruído uma definição universal de Amor?

F. Silva

"Dentro de nós há uma coisa que não tem nome, essa coisa é o que somos.“

Ensaio sobre a Cegueira, 1995

O que somos? O que define cada um de nós? O nosso nome? As nossas ações? Histórias de vida? Histórias literárias?
Está aqui outra fã de Afonso Cruz... "Porque um homem é feito dessas histórias, não é de adê-énes e músculos e ossos. Histórias [1]." Somos feitos de muitas histórias, de muitos lugares e de muitos livros - se os lermos. 

V. Sousa & E. Vasconcelos
 
[1]. Martim, M. (2020, 17 jun.). Entrevista. Afonso Cruz: “Tenho tido a sorte ou a ousadia de fazer o que quero e gosto”.

" O fim duma viagem é apenas o começo doutra. É preciso ver o que não foi visto, ver outra vez o que se viu já, (...) É preciso voltar aos passos que foram dados, para os repetir, e para traçar caminhos novos ao lado deles. É preciso recomeçar a viagem." 

Viagem a Portugal, 1981

Estaria Saramago a fazer uma viagem ao próprio eu? Seria esta viagem uma forma de autodescoberta?

C. Proença

"O Deus da Bíblia não é de fiar: é vingativo e má pessoa." 
“Sobre o livro sagrado, eu costumo dizer: lê a Bíblia e perde a fé!"

Saramago no lançamento do livro Caim, 2009 

Poderemos, através da literatura de Saramago, considerá-lo um ateu, agnóstico ou, porventura, um homem em busca da verdade religiosa, através de diálogo beligerante com o transcendente?

N. Carneiro 

Fascinante a questão de ninguém morrer num país! Grande enigma este da morte e das consequências da alteração do ciclo natural da vida!

As intermitências da morte, 2006

O avanço da medicina e novas tecnologias tornarão real este cenário literário?

A. Allen

“O mundo transformado perseguiu o centauro, obrigou-o a esconder-se”.
" O homem girou a cabeça de um lado para o outro: outra vez mar sem fim, céu interminável. Então olhou o seu corpo. O sangue corria. Metade de um homem. Um homem. E viu que os deuses se aproximavam. Era tempo de morrer."

"Centauro", in: Objeto Quase, 1978

Podemos ler no conto Centauro, uma apologia da inclusão e do direto à diferença?

A.    Costa

“Mas o menino nunca passava do riacho. Do outro lado do pequeno rio era um mundo completamente desconhecido, para o qual o menino nunca havia ido. O que será que havia do lado de lá? Quais seriam as maravilhas e os perigos escondidos?”

A maior flor do mundo, 2001

Ultrapassar o riacho poderá ser um desassossego interior, vencer o medo e o receio do desconhecido, arriscar, ao invés de confortavelmente nos quedarmos no conforto do que já conhecemos. Estamos dispostos a correr o risco?

M. Santos

"Mas tão caída, tão murcha, que o menino se achegou, de cansado. E como este menino era especial de história, achou que tinha de salvar a flor. Mas que é da água? Ali, no alto, nem pinga. Cá por baixo, só no rio, e esse que longe estava!…

A maior flor do mundo, 2001

Haverá lugar para a esperança e um mundo melhor? 

B. Coimbra

"Aqui o mar acaba e a terra principia"

O ano da morte de Ricardo Reis, 1984

Neste livro Saramago faz a ligação à epopeia maior, Os Lusíadas, alterando o centro nevrálgico da ação? Deixamos o mar e estamos na terra, a cidade de Lisboa, "ocidental praia lusitana", de onde partimos há séculos atrás, em demanda de um sonho maior? Estamos perante uma marca de intertextualidade dos textos saramaguianos?

M. César

"A porta da escada estava aberta, por isso pôde subir diretamente ao segundo andar, é aqui que moram o velho da venda preta e a rapariga dos óculos escuros, que estranha parceria, compreende-se que o desamparo da cegueira os tenha aproximado, mas haviam passado quatro anos, e se para uma mulher nova quatro anos não são nada, para um velho é como se contassem a dobrar. E continuam juntos, pensou o comissário."

Ensaio sobre a Lucidez, 2004

Como via Saramago a sua própria relação com uma mulher tão mais nova do que ele, Pilar?

E. Vasconcelos

“[...] é porque aqueles votos em branco, que vieram desferir um golpe brutal contra a anormalidade democrática em que decorria a nossa vida pessoal e coletiva, não caíram das nuvens nem subiram das entranhas da terra, estiveram no bolso de oitenta e três em cada cem eleitores desta cidade, os quais, por sua própria, mas não patriótica mão, os despuseram nas urnas.”

Ensaio sobre a lucidez, 2004

A situação descrita neste romance não é semelhante ao que se passa na Europa, “governada” pela abstenção, renovada e aumentada a cada ato eleitoral? Há democracia quando domina o voto massivo em branco? 

E. Vasconcelos

"O violoncelista começou a tocar o seu solo como se só para isso tivesse nascido. Não sabe que aquela mulher do camarote guarda na sua recém-estreada malinha de mão uma carta de cor violeta de que ele é o destinatário, não o sabe, não poderia sabê-lo, e apesar disso toca como se estivesse a despedir-se do mundo, a dizer por fim tudo quanto havia calado, os sonhos truncados, os anseios frustrados, a vida, enfim."

As Intermitências da Morte, 2006

A arte e, particularmente a música, poderá ser salvífica, devolver alguma ordem ao caos?

L. Correia

"Voltei ao sítio, já o sol se pusera, lancei o anzol e esperei. Não creio que exista no mundo um silêncio mais profundo que o silêncio da água. Senti-o naquela hora e nunca mais o esqueci."

O Silêncio da Água, 2011

De que são feitas as nossas memórias...?

J. Duarte

"E se as histórias para crianças passassem a ser de leitura obrigatória para os adultos? Seriam eles capazes de aprender realmente o que há tanto tempo têm andado a ensinar?" 

A maior flor do mundo, 2001

Os adultos aprenderiam o altruísmo e o equilíbrio ambiental?

A.    Duarte

Como é que uma criança consegue fazer reviver uma flor e torná-la a maior flor do mundo? Em questões ambientais, ouvimos a voz das crianças? 

M. Sousa

"Caro senhor, lamento comunicar-lhe que a sua vida terminará no prazo irrevogável de uma semana, aproveite o melhor que puder o tempo que lhe resta, sua atenta servidora, morte." 

As intermitências da morte, 2006

Se soubéssemos a data exata da nossa morte aproveitaríamos melhor a vida? 

S. Doutel

“Quando a cama aqui foi posta e armada ainda não havia percevejos nela, tão nova era, mas depois, com o uso, o calor dos corpos, as migrações no interior do palácio, ou da cidade para dentro, donde este bichedo vem é que não se sabe, e sendo tão rica de matéria e adorno não se lhe pode aproximar um trapo a arder para queimar o enxame.”

Memorial do Convento, 1982

Saramago, revolucionário da língua portuguesa, disruptivo, inovador, criativo, irónico, poderá ser herdeiro da modernidade de Eça de Queirós, tanto na forma como no conteúdo?

R. Fernandes

«Sou o rei deste reino, e os barcos do reino pertencem-me todos, Mais lhes pertencerás tu a eles do que eles a ti. Que queres dizer, perguntou o rei, inquieto. Que tu, sem eles és nada, e que eles sem ti poderão sempre navegar, Às minhas ordens, com os meus pilotos e os meus marinheiros, Não te peço marinheiros  nem piloto, só um barco, E  essa ilha desconhecida, se a encontrares, será para mim, A ti, rei, só te interessam as ilhas conhecidas, Também me interessam as desconhecidas quando deixam de o ser, Talvez esta não se deixe conhecer, Então não te dou o barco, Darás.»

O Conto da ilha Desconhecida, 1998

Em que circunstâncias é que os reis se inquietam? Os homens sonham sempre alcançar a ilha desconhecida? 

A. Reis 

"Apesar disso, o Sr. José entrou em casa molhado de cima a baixo. Despiu rapidamente a gabardine, mudou de calças, de peúgas e de sapatos, esfregou com uma toalha o cabelo que escorria, e enquanto fazia tudo isso prosseguiu no seu diálogo interior, É ela, Não é ela, Podia ser, Podia ser, mas não era, E se era, Sabê-lo-ás quando encontrares a do verbete, Se for ela, dir-lhe-ei que já nos conhecíamos, que nos vimos no autocarro, Não se lembrará, Se não demorar muito tempo a encontrá-la, lembra-se de certeza, Mas tu não queres encontrá-la em pouco tempo, talvez nem em muito, se realmente o quisesses teria ido procurar o nome à lista telefônica, é por aí que se começa, Não me lembrei, a lista está lá dentro, Não me apetece entrar agora na Conservatória, Tens medo do escuro, Não tenho medo nenhum, conheço aquela escuridão como a palma das minhas mãos, Diz-me antes que nem a palma das tuas mãos conheces, Se é isso que pensas, deixas-me ficar na minha ignorância, também os pássaros cantam e não sabem porquê."

Todos os Nomes, 1997

Não sabemos quem somos nem para que vivemos?

M. Garcia

"O rio fazia um desvio grande, e de rio ele estava já um pouco farto, tanto que o via desde que nascera. resolveu cortar a direito pelos campos, entre extensos olivais, ladeando misteriosas sebes cobertas de campainhas brancas e outras vezes metendo por bosques de altos freixos onde havia clareiras macias sem rasto de gente ou bicho."

A maior flor do mundo, 2001

Qual é o valor das coisas simples e do amor ao próximo? O que pode resultar da perda da esperança e da coragem? 

M. Romano

"Mas tão caída, tão murcha, que o menino se achegou, de cansado. E como este menino era especial de história, achou que tinha de salvar a flor. Mas que é da água? Ali, no alto, nem pinga. Cá por baixo, só no rio, e esse que longe estava!…
Não importa." 

A maior flor do mundo, 2001

Haverá lugar para a esperança e um mundo melhor?

A. Coimbra

 

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